8 de fev. de 2009

RESPOSTA A UM COMENTÁRIO


Num artigo publicado no blog do GirBrasil, intitulado DEBATE SOBRE O TEMA DE RAÇA “PURA” (30/01/2009), escrito por Euclides Osvaldo Marques, da Estadia do Gir, São José do Rio Preto (SP), como um comentário e uma pergunta, com respeito ao escrito por mim para o blog do Cebú de México com o título CONTRIBUA ÀS CONTRIBUIÇÕES DO DOUTOR IVAN LUZ LEDIC EM RELAÇÃO À “PUREZA RACIAL” e posteriormente publicado no blog GirBrasil (29/01/2009).

1. Comenta e pergunta o Sr. Euclides o seguinte:

Quando o Dr. Álvaro da Colômbia diz que há uma vantagem enorme na atualidade do Gir Leiteiro brasileiro em comparação ao Gir da Índia, fica uma pergunta: “Por que os condomínios de criadores de Gir e Nelore estão com gado na Índia coletando sêmen e embriões, e enviando para o Brasil?

2. RESPOSTA:

Sr. Euclides, obrigado por seus comentários e sua pergunta. Desculpe minha demora em responder, mas eu estava viajando. Quero, além de responder, ampliar minhas observações com respeito ao tema.

Começo por dizer, que ante as necessidades circunstanciais do Mundo Tropical, produzir leite de vaca em climas quentes, inclusive em condições adversas, o recurso genético Gir Leiteiro brasileiro é significativamente superior hoje ao recurso genético Gir existente na Índia.

O progresso genético conseguido no Brasil com o Gir Leiteiro, nos últimos 30 ou mais anos, iniciado pelos criadores pioneiros e continuado cientificamente nos últimos 24 anos (1985-2009 através do Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro efetuado pela EMBRAPA Gado de Leite e pela ABCGIL, em parceria com a ABCZ, as centrais de inseminação e centenas de criadores progressistas capazes de aplicar a zootecnia moderna de ponta), não tem par na Índia, nem em nenhuma parte do Mundo.

Somente se lhe equipara o esforço feito, também no Brasil, com a raça Guzerá Leiteiro entre EMBRAPA Gado de Leite, o Núcleo MOET da raça, os criadores, universidades e extraordinários cientistas da zootecnia moderna aplicada.

Hoje com centenas de rebanhos de Gir Leiteiro brasileiro, com mais de 50.000 lactações fechadas, com 167 touros provados até 2008 (para o 2010 poderão chegar a 200) e um nível cada vez mais elevado de vacas superiores, filhas e netas de touros provados, com disponibilidade de embriões e sêmen congelado, distribuídos por centrais de grande capacidade tecnológica, ao alcance de pequenos, médios e grandes produtores de leite, não só no Brasil, senão em diferentes países do Mundo Tropical, o impacto deste recurso genético, mais outros fatores e detalhes, traduz-se como algo significativamente superior ao que realizaram, em forma fragmentária, na Índia algumas cooperativas e instituições estatais.

Numa excursão muito interessante que realizei à Índia no ano 2001, com um grupo de criadores e técnicos amigos, da Colômbia e Venezuela, percorremos em ônibus e avião mais de 6.000 quilômetros nos Estados de Maharashtra, Gujarat e Rajastan, Agra (UP) e Delhi, pudemos identificar em diferentes gaushalas (conventos e/ou clausuras), institutos, cooperativas, centros de investigação, bem como no Marajá de Jasdan, Darbar Satyajit Khachar, um gado Gir indiano de características e aparência externa muito belas, muito em particular nas cabeças e chifres, bem como em cores. Todavia em funcionalidade, por exemplo, nos úberes, muito inferior ao dos criadores brasileiros de Gir de ponta. Não encontramos no gado Gir na Índia um programa de melhoramento genético nem similar, nem à altura, ao que se desenvolvia no Brasil no ano 2001 e que hoje, em 2009, é uma maravilha mundial como o expliquei antes.

Indiscutivelmente identificamos indivíduos, vacas e touros Gir, alguns pertencentes ao Marajá de Jasdan, que poderiam chamar-se ‘como superiores’, ou indivíduos de cúpula na Índia, mas não rebanhos provados sob sistemas modernos de avaliação, confiáveis, ou núcleos superiores ao material Gir Leiteiro brasileiro provado. Encontramos genealogias de vacas com pedigrees ancestrais de até 300 anos atrás, mas o indivíduo sem provas de progênie ou qualquer outra avaliação.

Em búfalos, pelo contrário, encontramos maravilhas. Sendo a Índia um dos maiores produtores de leite fluído do Mundo, e o maior de leite de búfala, a qual é essencial lá, não só por sua altíssima contribuição à indústria láctea e ao grande total de produção nacional, senão pelo sustento de milhões de micro produtores de leite, proprietários de uma ou duas búfalas. Em isto se esmeraram, com maior ênfase que com bovinos, os institutos do Estado, e inclusive as cooperativas grandes e pequenas, o NATIONAL DAIRY DEVELOPMENT BOARD (NDDB), que têm realizado trabalhos em búfalos muito importantes em inseminação, transferência de embriões e algo em melhoramento genético.

Visitamos a SABARMATI ASHRAM GAUSHALA, administrada pelo NDDB, uma central com laboratórios para congelamento de sêmen e trabalhos em embriões, com touros para a distribuição em massa de sêmen aos associados das grandes cooperativas. No momento da visita, Novembro de 2001, o catalogo, o qual ainda conservo, oferecia 90 reprodutores, dos quais 36 touros (40%) eram búfalos de diferentes raças e/ composições; 23 touros (26%) eram Bos taurus (12 Holstein e 11 jersey); 26 (29%) eram touros mestiços F1 ou compostos (indicus x taurus); 2 touros Gir; 1 touro Rede Sindi; 1 touro Sahiwal e 1 touro Kankrej (Guzerá). Os indicus dão 5% do total de touros (os Gir 2% dentro dos 5%). Ou seja, observa-se no catalogo o enorme interesse pelos búfalos (40%), um grande interesse pelo uso de touros mestiços (29%) e de raças européias (26%) (total 26 + 29 = 55%). Um mínimo interesse pelas raças nativas indicus (5%) onde o Gir participa com tão só 2 touros. Observa-se ademais, que o indicador para a escolha da seleção do sêmen dos touros não era uma prova, senão a lactação da mãe e em alguns casos as lactação das avós.

O que se fez, nesse país da Ásia, em programas de conservação das raças autóctones (as indicus) e em melhoramento genético pelas grandes instituições como THE INDIAN COUNCIL OF AGRICULTURAL RESEARCH (ICAR), o NACIONAL BUREAU OF ANIMAL GENETIC RESOURCES (NBAGR) e o PROJECT DIRECTORATE OF CATTLE FOR GENETIC IMPROVEMENT (PDC), não têm uma transcendência e impacto comparável ao que se fez no Brasil.

Tanto que não apresentaram nada no 8º Congresso Mundial de Genética Animal Aplicada, apesar de terem sido convidados, evento que se realizou em Belo Horizonte, MG, de 13 a 18 de Agosto de 2007 (Madalena, F.E., comunicação pessoal, Janeiro 2009). Se tivessem tido algo que mostrar o teriam apresentado, como o fizeram os brasileiros neste e outros eventos do mundo da genética animal aplicada.

Tivemos a grande oportunidade de visitar AMUL, em Anand, Gujarat, a maior Cooperativa da Ásia e uma das maiores do Mundo, com milhões de associados (micros criadores). Lá presenciamos a forma como operam os centros de recepção todos os dias, duas vezes, de manhã e à tarde. Fomos testemunhas de como estes micros produtores, iam vender desde uma, duas, três ou mais garrafas de leite de búfalas e um pouco de leite de vacas cruzadas (base indicus com sêmen de touros taurus), e lhes pagavam no mesmo dia (conforme o cartaz abaixo guardado como um tesouro no escritório de Alvaro Restrepo na Colômbia e fotografado por Ivan Ledic).



Cartaz da Cooperativa de AMUL com milhares de pessoas vendendo sua pequena produção diária de leite (em 2001 essa rotina era realizada já há 51 anos)

Algo extraordinário e único. Dizia-nos o Presidente desta grande cooperativa, e do NDDB, o Dr. Trivedi, um homem interessantíssimo, numa entrevista que lhe fizemos: que seu interesse primordial não era o melhoramento genético dos animais, senão o bem-estar da gente e que o grande milagre de AMUL era pagar diariamente a milhões de micros produtores o leite entregue, para o sustento de suas famílias!!! Algo fantástico e admirável, em mim opinião.

Mas minha comparação e afirmações anteriores não desqualificam o Gir da Índia. Pelo contrário, localizam-no, como o mencionei em meu escrito, como um recurso primitivo, isto é como fonte de “linhagens”, lá na Índia, para conseguir o que comumente se denomina, entre os criadores, “refrescamento de sangue” (introduzir variação genética) para criadores do Brasil que lhes interesse fazer isso, ou para aqueles com altos índices de consangüinidade em seus rebanhos e/ou para a busca de aportes particulares em características externas, para os senhores “puristas” ou quiçá de Gir “padrão”, onde primam na seleção para características menores ou de aparência externa.

Para terminar e concluir passo a responder em forma concreta, à pergunta do Sr. Euclides: sempre existirão, em todas as partes do Mundo, alguns criadores interessados em conseguir material genético de “cúpula” em procura de melhorar sua raça. Na Índia existem esses “indivíduos de cúpula”, mas o grande problema é identificá-los com certeza. O que você conta em seus comentários não me surpreende, pois que eu “meio sabia” de que alguns selecionadores brasileiros, ou “condomínios de criadores”, estão levando ao Brasil sêmen e embriões de Gir da Índia (e de Nelore também, ao qual não quero referir-me aqui).

No ano 2001, vimos um pouco disso e também o observamos lá, mas também o contrário, filhos de um grande touro Gir Leiteiro brasileiro nascidos na Índia!!! Com os avanços da biotecnologia já não existem fronteiras geográficas. A ambição do homem não tem limites. O que está por ver-se são os resultados positivos do conjunto, em outras palavras, os aportes que possam fazer esses embriões e sêmen do Gir da Índia, concretamente ao Gir Leiteiro do Brasil. De repente poderão ser positivos, pois creio muito no bom senso de meus amigos criadores, e no Brasil há alguns senhores que conhecem muito bem a Índia e seu material genético Gir, com o apoio ademais, de técnicos veterinários indianos especialistas para a escolha de tal recurso.

O ano passado li um artigo, escrito por Devinder Sharma, intitulado Losing Native Breeds (InfoChange News & Features, Nov. 2007), sobre biodiversidade e recursos genéticos da Índia, onde expressa sua grande preocupação pela extinção das raças nativas em seu país (as indicus onde está incluída o Gir indiano) por cruzamentos indiscriminados com raças taurus. Em sua conclusão, como interrogação, questiona: “Será que a Índia vai terminar importando do Brasil suas mesmas raças nativas (indicus - Gir, Guzerá, Nelore) que uma vez, faz anos, exportou para esse país da América do Sul!!”

Não tenho dúvidas de que já está ocorrendo essa importação, através da biotecnologia, tal como o ilustrei acima, o que fará cada dia mais difícil, para os criadores brasileiros, a correta identificação de indivíduos superiores dentro desse recurso primitivo da Índia.



ALVARO RESTREPO CASTILLO, B. S., M. Ag.
Consultor Particular
Bogotá - Colombia
alvarorestrepo14@gmail.com

Tradução: Ivan Luz Ledic


Tradução: Ivan Luz Ledic