30 de nov. de 2009

ABCZ registra primeiro clone zebuíno



Aos três meses de vida, a fêmea da raça nelore Divisa Mata Velha TN 1 (Registro BN 1000 TN 1) passará a ser conhecida mundialmente como o primeiro clone zebuíno a ser registrado pela ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu). O registro será realizado amanhã (1º/12), às 10h, na sede da empresa Geneal, localizada na BR 050, km 184, em Uberaba/MG.

O registro do primeiro zebuíno clonado acontece seis meses depois do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) anunciar a homologação da inscrição de zebuínos oriundos de transferência nuclear (clones) no SRGRZ. Outras raças que também fazem registro de clones são jersey e holandês.

Os critérios para a concessão do registro foram definidos em 2007 por uma comissão técnica formada por pesquisadores de várias universidades e centros de estudo. Algumas das exigências é a obrigatoriedade do doador nuclear ser portador de registro genealógico de nascimento ou definitivo (Veja “Regulamento do Registro de Clones”).

De acordo com o presidente da ABCZ, José Olavo Borges Mendes, a ABCZ dá um importante passo para garantir a formalização desses animais. “É uma grande conquista, porque, apesar do melhoramento genético ser nossa principal meta, sempre existirão aqueles animais de mérito genético singular, que podem contribuir para resgatarmos qualidades e funcionalidades de interesse do mercado. A clonagem também possibilita a preservação dessa genética”, destaca o presidente.

Ele alerta, porém, que a tecnologia deve ser utilizada com ética e em prol do crescimento da pecuária. “Temos muito a desenvolver em relação à clonagem, mas a ciência está sempre em evolução e temos que caminhar em conjunto para que possamos utilizá-la a favor do avanço da pecuária. É preciso zelar pela ética em relação à negociação de animais clonados para que o mercado não perca a credibilidade e para que nossa pecuária não deixe de se desenvolver. Por isso, as normas são aliadas da ética”, garante.

Da Vitória à Divisa Mata Velha – O primeiro clone bovino brasileiro e da América Latina nasceu há oito anos. Batizada de Vitória, a fêmea nasceu graças aos avanços com a biotécnica alcançados pelos pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen).
A história de Divisa Mata Velha TN 1, animal que pertence à Fazenda Mata Velha, também passa pelos laboratórios da Embrapa, que tem um convênio com a empresa Geneal desde 2006 para produção de clones.

Para produzir o clone, foi coletado em abril de 2007 uma biópsia de pele de 1 cm X 1 cm da prega da cauda da doadora Divisa. O material foi levado para Brasília, onde está localizada a Embrapa Cenargen, para realização dos procedimentos de isolamento, cultivo e congelamento das células. A manipulação resultou em 18 embriões transferidos para 14 receptoras e cinco gestações confirmadas.

A única que chegou ao fim (com 292 dias de gestação) foi a de Divisa Mata Velha TN 1. A fêmea nelore nasceu no dia 1º de setembro de 2009 com 39 quilos. “O registro deste clone é uma vitória e faz do Brasil uma referência na área de biotecnologia. O país já é responsável por 50% dos animais que nascem de Fecundação in Vitro no mundo e agora avança na clonagem”, diz o superintendente da Geneal, José Olavo Júnior.

A fêmea doadora do material nuclear que originou o clone, Divisa Mata Velha, é uma das principais matriarcas da história da seleção Mata Velha, do pecuarista Jonas Barcellos Corrêa Filho. Foi grande campeã da ExpoZebu 1995. É mãe da grande campeã da Expoinel 1999, Mansão. Também é mãe da grande campeã da ExpoZebu 2003, Página Mata Velha e mãe de Meteorito da Mata Velha.

Critérios para o Registro Genealógico de clones

Para solicitar o registro de um clone, o criador precisa atender a todas as exigências do Regulamento do Registro Genealógico das Raças Zebuínas para animais oriundos de Transferência Nuclear. Veja abaixo:
CAPITULO XVI DA TRANSFERÊNCIA NUCLEAR – TN (CLONAGEM)


Art. 114 - Os produtos clones resultantes de transferência nuclear (TN) poderão ser inscritos no SRGRZ desde que atendidas todas as normas determinadas pelo MAPA e que estejam em conformidade com a legislação em vigor e com as determinações contidas neste regulamento.

Art. 115 - Os produtos de transferência nuclear (TN) poderão ser resultantes de núcleos de células doadoras provenientes de embriões ou de células somáticas, sendo que estas serão colhidas de animais adultos, com autorização prévia do proprietário do animal doador por escrito e com firma reconhecida, cultivadas em laboratório e criopreservadas em nitrogênio líquido.

Parágrafo Primeiro: o doador nuclear, quando o material biológico a ser clonado for oriundo de células somáticas, deverá, obrigatoriamente, ser portador de registro genealógico de nascimento ou definitivo, de acordo com as exigências do SRGRZ compatíveis com sua idade.

Parágrafo Segundo: quando o material biológico a ser clonado for oriundo de células embrionárias, o doador (embrião) deverá ser, oportuna e obrigatoriamente, inscrito no SRGRZ de acordo com as normas contidas neste regulamento.

Parágrafo Terceiro: outras origens de material biológico a ser clonado poderão ser autorizadas, desde que referendadas pela comunidade científica e pelo MAPA, bem como do proprietário do animal doador do material biológico.

Art. 116 - Para que os produtos resultantes de TN possam ser inscritos no SRGRZ é obrigatória a apresentação de uma autorização formal do proprietário das células doadoras de núcleos, com firma reconhecida em cartório.

Art. 117 - A doadora do ovócito enucleado deve ser uma matriz portadora de registro genealógico da mesma raça do indivíduo clonado.

Art. 118 - Os produtos resultantes da TN, para receberem o RGN, terão que ter, além das exigências anteriores, obrigatoriamente:
a) análise do DNA da linhagem celular (núcleo doador);
b) análise do DNA da doadora do ovócito enucleado;
c) análise do DNA do produto resultante de TN;
d) laudo laboratorial, comprovando a absoluta igualdade genética entre as análises dos itens “a” e “c” e, ainda, expressando de forma clara, os procedimentos técnicos de análise molecular que confirmam o produto resultante da TN.

Art. 119 - Os produtos resultantes da TN, portadores de RGN, somente poderão receber RGD se, para os machos for apresentado exame andrológico que o qualifique como apto à reprodução e, para as fêmeas, laudo qualificando-a como doadora de ovócitos.

Art. 120 - Somente poderão ser inscritos no SRGRZ, os produtos resultantes de TN produzidos em laboratórios devidamente credenciados no órgão competente do MAPA e nos quais os doadores nucleares tenham sido registrados para TN.

Art. 121 - Os produtos resultantes de TN, que atenderem aos requisitos para inscrição no SRGRZ, terão como padrão na composição de seu certificado de registro genealógico:
a) O nome do doador nuclear acrescido das iniciais TN e uma série numérica crescente que será definida pelo SRGRZ, iniciando-se no número 1 (um), que se referirá ao número do clone de acordo com sua ordem cronológica de nascimento.
b) O número de registro genealógico do doador nuclear, acrescido das iniciais “TN” e da série numérica crescente, conforme definida no item “a” acima.
c) O número de registro genealógico da doadora do ovócito enucleado.
d) O nome do proprietário das células doadoras de núcleos
e) O nome do proprietário do animal doador resultante de transferência nuclear.

Art. 122 - Os produtos resultantes de TN deverão ser identificados:
a) Ao nascimento, por tatuagem indelével na orelha esquerda com o registro genealógico do doador nuclear, acrescido das letras “TN” e da série numérica correspondente à sua obtenção.
b) Também ao nascimento, por tatuagem indelével na orelha direita, com o registro genealógico da doadora do ovócito enucleado.
c) Até a desmama, por marca a fogo na perna direita, com o registro genealógico do doador nuclear, acrescido das letras “TN” e da série numérica correspondente à sua obtenção.
d) Pela aposição de marca a fogo (“caranguejo”) na perna direita, acima da identificação do animal, somente por técnico habilitado pelo SRGRZ e depois de atendidas todas as determinações deste regulamento.

Art. 123 - Os produtos resultantes de TN, desde que nascidos e viáveis e que tenham atendido o que determina este regulamento e, em especial, o que determina o Art. 6º deste regulamento, passam, automaticamente, a ter as mesmas condições e tratamentos que o seu doador nuclear frente ao SRGRZ.


Fonte:
Laura Pimenta (Mtb 08756/MG)
Assessoria de Imprensa da ABCZ
Tel.: +55 (34) 3319-3862
Praça Vicentino Rodrigues da Cunha, 110
Bairro São Benedito - Uberaba - MG - 38022-330
e-mail: laurapimenta@netsite.com.br
site: www.abcz.org.br


7 de nov. de 2009

Diagnóstico do leite em Goiás: a realidade continua a mesma





Marcelo Pereira de Carvalho
Diretor Executivo da AgriPoint
09/10/2009


No último dia 08 foram divulgados os resultados do Diagnóstico da Cadeia Produtiva do Leite de Goiás, realizado pela FAEG (Federação da Agricultura do Estado de Goiás) e coordenado pelo Prof. Sebastião Teixeira Gomes, da Universidade de Viçosa. (Veja o documento na íntegra).

O trabalho é de grande valia para compreendermos um pouco mais como a produção de leite está estruturada na região e, acredito, sirva também para outros estados do Centro-Oeste e do Sudeste, visto que as condições de produção são semelhantes (inclusive esse Diagnóstico chegou a conclusões bem próximas ao realizado em MG em 2005).

Os dados apresentados não impressionam por si, visto que, de certa forma, chegam a conclusões já esperadas. Porém, certamente impressionam ao permitir uma caracterização da atividade que está longe daquilo que poderia se esperar, quando se pensa em uma cadeia de produção que em tese se moderniza.

A atividade é caracterizada pela assimetria: 68,4% dos produtores amostrados produzem menos de 200 litros por dia e são responsáveis (cálculos meus) por 25,7% do leite, ao passo que 9% dos produtores produzem mais de 500 litros/dia e respondem por 47% do leite (Tabela 1).

Tabela 1. Distribuição dos produtores de acordo com o número e volume produzido (amostra de 500 produtores).



Em média, o produtor goiano (amostragem de 500 produtores) produz 245 litros/dia, sendo o capital médio investido de R$ 786.594,00, com 74,67% em terra, o que caracteriza um sistema extensivo de produção.

O nível tecnológico é, em geral, baixo. Pouco mais de 30% fazem controle leiteiro; 69,3% não utilizam caneca de fundo telado para diagnóstico de mastite; 20% ainda não resfriam o leite; dos que resfriam, 60% o fazem em tanques coletivos. Mais de 40% dos reprodutores são zebuínos puros - sendo o principal, com 27% dos casos, touros Nelore; a produtividade por área e por animal é muito baixa (2.102 litros/hectare/ano e 8,17 kg/vaca/dia).
E por aí vai.

Nota-se, também, que há diferenças claras entre os módulos de produção: até 200 litros, os produtores utilizam quase que exclusivamente mão-de-obra familiar, têm baixo nível educacional e tecnológico, não recebem assistência técnica, têm menor produtividade, usam menos insumos e têm menor produtividade da mão-de-obra. Basicamente, sobrevivem, ou tentam. Acima de 500 litros e, especialmente, acima de 1000 litros, os dados vão melhorando. Entre 200 e 500 litros/dia, há uma transição: hora se assemelham aos produtores de menos de 200 litros/dia, hora caracterizam-se mais como produtores de mais de 500 litros.

Como outros trabalhos já realizados, a maior parte dos produtores não cobre os custos totais de produção (tabela 2) e, quando cobrem, a margem é pequena e bastante inferior ao rendimento obtido pela poupança (apenas produtores acima de 500 litros/dia têm lucro). Em geral, são cobertos apenas os custos operacionais efetivos, isto é, o desembolso de caixa, sem contabilizar a mão-de-obra familiar e a depreciação. Isso quer dizer que i) o produtor se sujeita a trabalhar por um valor menor do que o custo de oportunidade de seu trabalho, e ii) no longo prazo, será forçado a deixar a atividade por não cobrir os custos totais de produção.

Vale dizer que o trabalho compreendeu o período entre julho de 2008 e junho de 2009, em que os preços se mantiveram baixos por boa parte do tempo.

Tabela 2. Preço por litro, Custo Operacional Efetivo (COE), Custo Operacional Total (COT), Taxa de Remuneração excluindo Terra (RCST) e Taxa de Remuneração incluindo Terra (RCCT).





Torsten Hemme, do IFCN, que analisa custos de produção de diversas fazendas ao redor do mundo, constatou que menos de 2% do leite pode ser produzido ao custo comparável a US$ 2.000/tonelada de leite em pó, vigentes no mercado internacional no início do ano.

Porém, a conta não é tão simples assim. O mundo tem cerca de 145 milhões de fazendas de leite, sendo 75% delas tipicamente de subsistência, produzindo 30 a 40% do leite, talvez parecidas com os produtores de menos de 50 litros por dia de Goiás. Outros 24% são tipicamente familiares, sendo responsáveis por 40 a 50% do leite mundial. Encontram-se nessa categoria, por exemplo, a maior parte dos produtores da Europa. Apenas 0,4% das propriedades são encaradas como um negócio, e respondem por 10 a 20% do leite mundial.

Torsten colocou um aspecto interessante: os produtores europeus estão entrando em greve. Ora, quem entra em greve são os funcionários, não os empresários. O produtor europeu, no geral, vê sua atividade muito mais como a obtenção de uma renda mensal, do que como um negócio que precisa dar lucro. Se essa renda se torna insuficiente, entra-se em greve.

Em função dessa caracterização mundial da atividade, mesmo com preços aparentemente inviáveis, a produção se mantém, pois estão sendo cobertos os custos operacionais, assim como ocorreu no trabalho de Goiás. Nesse sentido, Goiás é um retrato do mundo e da atividade leiteira: da porteira para dentro, mais uma alternativa de sobrevivência, até por falta de outras opções, do que um negócio. Da porteira para fora, isso evidentemente muda.

Ao serem questionados sobre as razões de permanecer na atividade, essa realidade fica mais clara. Dos produtores com até 50 litros diários, 53,5% está na atividade por permitir uma renda mensal, ao passo que 13,4% afirmam que a região não permite outra atividade (tabela 3). No agregado, apenas 4,4% afirmam se tratar de um negócio lucrativo, enquanto 51,0% colocam que a questão da renda mensal é o principal aspecto. Ainda, 14,5% dizem que a razão é a tradição familiar (principalmente entre os acima de 1000 litros por dia).

É válido lembrar - e importante refletir sobre isso - que, como o número de pequenos produtores é muito grande, todas as análises agregadas são influenciadas pelas suas respostas, o que não caracteriza necessariamente que o leite produzido siga os mesmos padrões, visto que, como mostra a tabela 1, um número relativamente pequeno de "grandes" produtores produz a maior parte do leite.

Tabela 3. Razão pela qual o entrevistado produz leite.




Esse perfil é sustentável? Provavelmente não, mas durará mais algum tempo, talvez até a geração seguinte. Cerca de 33% dos entrevistados indicam que os filhos deixarão o meio rural, ou seja, não haverá sucessão. E essa % foi semelhante em todos os extratos, sendo a menor - 27,2% para os produtores entre 200 e 500 litros e a maior - 39,5% entre aqueles com menos de 50 litros/dia. Aliás, o fato do número de produtores com menos de 50 litros/dia já ser menor do que os que estão entre 50 e 200 litros indica que provavelmente o módulo mínimo que permite sobrevivência já está nessa faixa e não na primeira.

Voltando à questão anterior, apenas 42,5% dos produtores afirmam que os filhos continuarão com a atividade (15,1% trocarão de atividade e 9,0% venderão a propriedade, além dos que deixarão o meio rural, já mencionados acima).

Este trabalho retrata uma realidade pontual. Seria interessante termos uma análise temporal para encontrar respostas sobre as tendências. Exemplo: qual é o perfil do produtor que aumenta sua produção, isto é, será que, embora sendo uma atividade marcada pela produção de subsistência ou pouco mais do que isso, cada vez mais o leite, em quantidade, está sendo produzido por um produtor que responde mais à tecnologia e que não está tão à margem do processo, ainda que esteja longe de ser um exemplo de eficiência? Tendo a achar que sim.

O diagnóstico retrata talvez duas realidades. Olhando-se para a caracterização média dos produtores, os resultados são desanimadores. O que representam estes perfis, senão um exemplo evidente de pobreza rural e abandono? Olhando para o segmento dos produtores de maior porte, a situação é um pouco melhor, mas ainda muito aquém do potencial em relação a produtividade e rentabilidade.

A produção goiana tem um grande desafio pela frente. Após o estado verificar grande crescimento na década de 90, a produção tem patinado e não será surpresa se Goiás for superado por Santa Catarina, caindo para o quinto lugar no país.

Ao serem perguntados sobre as vantagens de Goiás, os dirigentes de laticínios locais afirmam que uma delas é o fato do estado ter grande potencial para produção de leite de baixo custo, em razão da disponibilidade de grãos e de pastagens de braquiária, e que a tecnologia de produção de leite a pasto foi dominada pelos produtores. Esse custo baixo implica na cobertura de todos os custos de produção, ou está calcado na ausência de outras alternativas? Ainda, sem dúvida, há potencial para produtividade muito maior, que resulta em maior margem líquida por hectare, mas tenho lá minhas dúvidas se o custo realmente pode cair muito abaixo dos valores encontrados no trabalho.

Que esse Diagnóstico sirva de ponto de partida para que ações efetivas sejam feitas, o que não é fácil, dada a enorme assimetria entre produtores e as dificuldades inerentes a se trabalhar com produtores que basicamente sobrevivem da atividade e que são em grande número.