18 de jan. de 2009

Gir Leiteiro: demanda cresce e valoriza a raça



A raça está valorizada, com uma demanda crescente de animais e de genética. Na pecuária leiteira é a expoente e mostra os resultados de trabalho integrado entre técnicos, pesquisadores e criadores



Luiz H. Pitombo (Revista Balde Branco)

Não faz muito tempo que um dos zebuínos mais leiteiros que se conhece, o Gir, era relegado dentro das raças produtoras tradicionais. Nas exposições permanecia esquecido ou quase que escondido. Mas isto é coisa do passado. Hoje, animais da raça freqüentam mostras especializadas, são avaliados em torneios leiteiros e promovem leilões no luxuoso Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, sendo arrematados por lances elevados de novos e tradicionais criadores. Um fator determinante para este reconhecimento da raça, que quase desapareceu no Brasil, foi a união de técnicos e selecionadores que acreditaram em seu potencial, garimparam os melhores exemplares e começaram a estabelecer o PNMGL-Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro, com a meta de desenvolver um tipo mais funcional e moderno de animal. Este trabalho, que envolve vários parceiros, tem à frente a Embrapa Gado de Leite e a ABCGIL-Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro. A raça ganhou novo perfil com a colocação no mercado de sêmen de touros provados no leite e foi alavancada pelos bons resultados de sua cruza com a raça Holandesa formando o Girolando, para onde vai a maioria do seu sêmen. Por outro lado, selecionadores e produtores passaram a manejar melhor seus animais dando condições para expressarem seu potencial produtivo. No início do PNMGL, em 1985, a média de produção dos rebanhos acompanhados era de 2.000 kg de leite por lactação. Atualmente, animais nascidos em 2006 apresentam média próxima de 3.500 kg, sendo cada vez mais comum se deparar com vacas acima dos 10.000 kg de leite.

Dados da Asbia-Associação Brasileira de Inseminação Artificial mostram que, em 1997, quatro anos após a apresentação dos primeiros touros provados, foram comercializados no País 186 mil doses de sêmen de Gir Leiteiro, o que representava 7% de todas as raças leiteiras. Em 2007, este volume chegou à 667 mil doses com um crescimento de 266%, enquanto no conjunto das raças a evolução foi de 54%, o que fez sua participação subir para 18%. Com algumas exceções, ela se manteve ao longo dos últimos anos como a segunda raça leiteira em volume de vendas, superada só pela Holandesa. Já na exportação, ela divide a preferência com a Girolando. Segundo a Secex-Secretária de Comércio Exterior, em 2007 foram enviadas ao exterior 163 mil doses de sêmen de diferentes raças, e em 2008, com dados acumulados até outubro, 245 mil doses. Pelos cálculos da Brazilian Cattle Genetics, entre 70% a 80% são da raça zebuína e de sua cruza. A Venezuela é um dos países que aposta firme na genética brasileira e tem igualmente importado doadoras e reprodutores. A meta é estabelecer um núcleo de seleção custeado pelo governo. Colômbia, Costa Rica, México, Egito e Senegal também estão de olho na raça. Atentos às oportunidades e ao implemento da linhagem leiteira do Gir, novos e tradicionais criadores usam intensamente fecundação in vitro (Fiv) e a transferência de embriões (TE) para multiplicar os animais de qualidade, aumentar a pressão de seleção e a oferta de animais. Como reflexo do interesse que desperta, o número de integrantes da ABCGIL quase que dobrou em 2008, chegando a perto de 270 associados. Mas dentro deste cenário, existem desafios a serem vencidos, como um rebanho ainda pequeno frente à crescente demanda interna e externa, a necessidade de se ampliar os controles leiteiros oficiais, o número de matrizes puras inseminadas e de participantes do PNMGL. Há também quem veja com ressalvas a escalada de preços dos animais e a busca de produções muito elevadas em condições que fogem ao cotidiano das fazendas e que se tornam anti-econômicas (veja seção Ponto de Vista nesta edição).


Ordem é disseminar benefícios - Embora existam no Brasil propriedades com excelentes níveis de produção, a média nacional fica abaixo dos 1.500 kg de leite/vaca/ano. A partir desta constatação, Silvio Queiroz Pinheiro, presidente da ABCGIL, defende uma mudança na mentalidade destes produtores com a sua profissionalização, implementando o gerenciamento, tecnologia e a genética animal. Neste último aspecto, diz que o Gir Leiteiro possui um trabalho de sucesso e tem muito a contribuir, com a raça dispondo de um amplo espaço para se expandir. Com ela, diz que é possível se produzir leite a pasto com menos ração e gastos no controle de parasitas, resultando num custo adequado. Para sua divulgação, o dirigente conta que a ABCGIL está adiantada em conversas com entidades de extensão rural e começa discutir com a Embrapa Gado de Leite a possibilidade de levar a raça e seu sêmen para fronteiras pecuárias como as de Rondônia e Acre. “Queremos aumentar nossa base, principalmente em áreas tropicais, passando para 800 ou 1.000 fazendas colaboradoras do PNMGL”, diz com entusiasmo. Hoje elas são perto de 450 entre rebanhos puros e mestiços. Para 2009, comenta que se exigirá mais envolvimento dos integrantes.
Pinheiro destaca que a ABCGIL estimula a realização de exposições e criou em 2008 um ranking, onde uma das exigências é a organização de torneios leiteiros. Técnicos da associação também estão envolvidos num projeto para o estabelecimento de uma ‘vaca-modelo’ em termos fenotípicos da raça, como tamanho e angulosidade. “Temos atualmente exemplares maravilhosos”, avalia. Na seleção, o dirigente aponta que se busca animais de melhores úberes e tetos, que sejam equilibrados em seus aprumos, com volume de leite, bons níveis de sólidos, além de persistência na lactação. Os animais precisam ser férteis e dóceis. O crescimento da raça, sua valorização e o forte movimento em seus leilões, segundo Pinheiro, são reflexo do avanço genético obtido e da importância do Gir e sua rusticidade para a pecuária leiteira tropical. Ele se diz satisfeito com os resultados e com as perspectivas existentes. Sobre leilões com preços muito elevados, considera que são naturais entre aqueles que desejam estar no topo da pirâmide, buscam os melhores animais e mais caros. “São bons para divulgar a raça”, indica.

Base de seleção da raça - A população de Gir Leiteiro no País é estimada entre 22.000 e 25.000 mil animais, dos quais 12.000 a 15.000 são vacas. Em sua quase totalidade, estes rebanhos participam ou são acompanhados pelo PNMGL, que igualmente atua em outros projetos de melhoramento da raça (GirGoiás e Núcleo Moet). Já foram incluídos nas provas 322 touros, sendo que até 2008 passaram por avaliação 167 animais. Revelaram-se positivos 96, acumulando-se perto de 50.000 lactações analisadas, tanto em rebanhos puros como cruzados. Atualmente, de 20 a 30 reprodutores entram em avaliação por ano, contra apenas 6 a 8 de antes. Além do acompanhamento da progênie, nos rebanhos puros é coletado sangue para a extração do DNA para estudos na área de genética molecular e de outras medidas. Em 2005, foi apresentado o primeiro sumário com marcadores moleculares para capa caseína. Outros estão em avaliação (resistência a doenças, produção, proteína e gordura), com boas possibilidades de serem incluídos no sumário de 2009. “O PNMGL, apesar de pequeno, utiliza toda tecnologia disponível no mundo”, ressalta Rui da Silva Verneque, coordenador do programa e chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Gado de Leite. Ele explica que a seleção está centrada no volume de leite, mas que igualmente apresentam avaliações para proteína, gordura, sólidos e lactose, além de células somáticas e características lineares, como tamanho, altura, cascos e úbere. Para breve, diz que será estabelecido um índice que combine várias características econômicas. Além dos ganhos em produção nos rebanhos puros, Verneque aponta que houve um aumento na duração da lactação. Vacas que pariram entre 1970 e 1998 apresentavam uma lactação média ao redor de 270 dias, mas desde 1999 houve um crescimento tendendo para a média atual de 289 dias. Foram detectadas reduções no intervalo médio entre partos, que passou de 517 dias nas fêmeas nascidas em 1970 para 466 dias para as nascidas em 2002, mas ainda há o que reduzir. A média de idade ao primeiro parto, tomando por referência o mesmo período, reduziu-se em cerca de 4 dias ao ano. No tocante aos constituintes do leite, eles cresceram em função do aumento da produção de leite em si e não do aumento dos teores. Os percentuais médios das vacas nascidas entre 1994 até 2002 estão em: 4,04% para gordura, 3,03% para proteína, 4,58% para lactose e 12,81% para o extrato seco. A contagem de células somáticas média para estes mesmos animais é de 583.000/ml. Verneque não vê problemas significativos de consangüinidade dentro da raça no Brasil e nem a necessidade de importações, mesmo porque afirma que “temos o melhor Gir Leiteiro do mundo, com o trabalho de seleção em franca expansão”. Como o rebanho é ainda pequeno e por isso tem preços elevados, o pesquisador indica seu uso em cruzamentos com raças especializadas, como a Holandesa, sugerindo a meio-sangue como a mais adequada para a maioria das fazendas. Para os que não trabalham com bezerro ao pé, recomenda o uso de graus mais elevados de sangue das raças taurinas. “Os zebuínos são muito amorosos com suas crias e sua ausência interfere na produção”, conta.

Não é estratégia de marketing - “O Gir Leiteiro vive um momento próspero realista, pois chegou a este ponto pelo trabalho dos selecionadores, entidades, Embrapa... É um crescimento sustentado e não de ações de marketing”, afirma Eduardo Falcão de Carvalho, da Estância Silvânia, em Caçapava-SP. Ele é detentor de um plantel com 46 anos de seleção e foi por dois mandatos presidente da ABCGIL. Além da qualidade dos animais, ele reputa o crescimento nos valores a uma oferta abaixo da demanda, mesmo com o uso da Fiv e TE . Carvalho considera mais crítica a situação para o mercado externo, onde aponta tanto a falta de animais como de protocolos sanitários entre países. No Estado de São Paulo, diz que a raça vai muito bem e com crescimento no número de criatórios. “São rebanhos de seleção menores que estão ganhando dinheiro, numa região de terras e custo de mão-de-obra elevados”, salienta. Na Bahia e em Sergipe, a linhagem leiteira também cresce, como atesta Joaquim Souto, da Fazenda Taquipe, em São Sebastião do Passe-BA. Ele preside o Núcleo de Criadores de Gir desses estados, fundado em 2003 com 13 afiliados e que hoje está com 35. Diz que a ênfase na região está nas fêmeas e na produção de leite, e com isso cresce a demanda pelos tourinhos Gir Leiteiro. “Nas propriedades, são comercializados entre R$ 3.000 a R$ 5.000, enquanto que as novilhas saem por cerca de R$ 8.000”, revela.

Também comenta que se eleva o número de criadores de Girolando que investem no Gir Leiteiro, como ele próprio, que na nata do seu criatório Gir insemina com touros puros provados e nas demais parte para meio-sangue com o Holandês para a venda. Souto lembra com satisfação que passou para a ordenha mecânica um lote de fêmeas jovens Gir Leiteiro de sua fazenda para agilizar o trabalho. “A adaptação foi surpreendente”, avalia, explicando que mantém os bezerros por perto presos ao cabresto. As centrais CRV Lagoa, ABS Pecplan e Alta Genetics são as que mais atuam com o Gir Leiteiro. Henrique Brinckmann, gerente de negócios de leite da primeira, informa que as vendas da raça têm apresentado um grande crescimento, especialmente entre os criatórios puros, e que a perspectiva é de continuar a crescer em 2009. Os preços das doses têm se mantido estáveis na central.

Entre o tradicional e o novo - Entre as fazendas pioneiras que deram importante contribuição para o Gir Leiteiro estão as mineiras Brasília, em Ferros, e a Calciolândia, em Arcos. A primeira, capitaneada por Rubens e Flávio Peres, tem mais de 50 anos de seleção e um total de 500 animais. A média do rebanho é de 9.300 kg de leite em 350 dias, mas 10 vacas estão acima de 15.000 kg. Em seu grupo de campeãs está “Setiba”, com 18.206 kg em 365 dias. No leilão de outubro da propriedade, a média das fêmeas ficou em R$ 50.000, das prenhezes R$ 30.000 e dos tourinhos R$ 10.400. A média geral atingiu R$ 35.000. Flávio considera que a expansão da raça vem se dando de maneira adequada e boa do ponto de vista técnico. Existe resposta positiva na seleção e afirma: “Em qualquer região tropical do Planeta e onde as raças européias não vão bem, a tendência é de o Gir Leiteiro dominar”. Mas como outros, reforça a necessidade de se continuar a trabalhar com credibilidade e com o controle leiteiro oficial. Ele conta que hoje já se conhece e se ensina mais sobre o zebu leiteiro nas universidades, mas que ainda existe um déficit.

Na Calciolândia, de Gabriel Donato de Andrade, a seleção da raça é realizada há mais de 40 anos. São 1.200 cabeças registradas, com média de 4.000 kg de leite em 300 dias, sendo que os animais são mantidos a pasto o ano todo, já que na seca dispõe de irrigação. No plantel existem animais que desafiados para torneiros leiteiros dão de 8.000 kg a 9.000 kg. Uma das vacas top é “Juliana”, com 11.000 kg na lactação.

Segundo Jordane José da Silva, gerente da propriedade, na seleção, além de precocidade e volume de produção, se busca melhorar os constituintes do leite. Os teores de proteína estão entre 3,8% e 3,9%; os de gordura, de 4,2% a 4,5%, e de sólidos totais, 12,5%. Ele conta que recebe pelo leite de Gir um adicional de 6% a 8% a mais do que o das Girolandas. Em termos de comercialização, Silva diz que 2008 foi excepcional. Em seu leilão virtual a média foi de R$ 25.000 e tem comercializado cerca de 250 tourinhos ao ano pela média de R$ 5.500. Um remate de 2008 que teve muito sucesso foi o 1º Elite Gir das Américas, realizado em novembro no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, numa promoção de Jorge Sayed Picciani e filhos. Selecionadores tradicionais de Nelore, há quatro estão igualmente com o Gir Leiteiro na Fazenda Monte Verde, em Uberaba-MG. No evento, que teve média geral efetiva de R$ 120.000, estavam representações da Venezuela, Colômbia, Bolívia e México.

Felipe, filho de Picciani, explica que na opção pela raça foi determinante a confiança no grande mercado existente para ela nos trópicos. O plantel atual da fazenda é de 200 vacas, dentre as quais 40 são doadoras. Perto de 300 animais estão em cria e existem 400 receptoras prenhas. Quanto ao crescimento do plantel, diz que ainda não pensa em limites e que a meta é ofertar tanto animais de seleção como comerciais. Em seus projetos, para daqui a 3 ou 4 anos, está a instalação, em Goiás ou Tocantins, de um criatório para 2.000 vacas Girolandas.


Zebu leiteiro melhorado

Considerada uma das raças mais antigas da Índia, o Gir tem seu criatório puro concentrado nas regiões de Baroda, Rayputana e nas montanhas de Gir. São animais identificados em sua origem como de aptidão leiteira e de trabalho, nesse país que tem restrições religiosas ao consumo da carne bovina. No Brasil, sua introdução aconteceu através de sucessivas importações iniciadas logo nos primeiros anos do século passado, com o maior e último desembarque, com perto de 153 animais, ocorrendo em 1962. Até os anos 60 era uma raça zebuína numerosa no País e muito apreciada por suas características morfológicas, em detrimento da produção, como era a mentalidade predominante entre os pecuaristas da época. Também existem linhagens classificadas de dupla aptidão, corte e leite. Foi utilizada para a formação de outras raças como a Indubrasil, Girolanda e a Brahman nos Estados Unidos, esta com animais oriundos do Brasil. Mas desde o início, alguns técnicos e criadores acreditaram e começaram a seleção da raça para o leite. Como marcos desta trajetória pode-se apontar o estabelecimento pelo poder público, na década de 30, do Posto de Criação João Pessoa, em Umbuzeiro-PB, e da Fazenda Experimental Getúlio Vargas, em Uberaba-MG. Dentre os criatórios particulares pioneiros de Gir Leiteiro, estavam nas décadas de 40 e 50 os de Francisco Figueira Barreto, Contentino Jacinto, Gabriel Donato de Andrade, João Batista Figueiredo Costa, Randolfo de Mello Resende e Rubens Resende Peres. Com o trabalho de melhoramento genético, o Gir Leiteiro ganhou reconhecimento nacional e internacional, com os próprios indianos vislumbrando a qualidade do plantel aqui existente. Outros países, especialmente os latino-americanos, importaram e importam animais selecionados no Brasil, que detém, atualmente, o maior rebanho apurado da raça no mundo.

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