7 de jan. de 2008

Artigo: QUAL É O TRANSMISSOR DO LEITE?

Zip Eva, típico touro da linhagem EVA, do rebanho de José Alfredo (foto)

O GIR OU O HOLANDÊS?

A endogamia ou consangüinidade, dizem os zootecnistas, “é a pedra de toque de uma raça”, sendo que, através deste método seletivo, é permitido ao criador avaliar o potencial genético de seu criatório: se superiores ou inferiores.
Se inferiores somam-se defeitos; se superiores agregam qualidades. Conclusão: “Condenar a consangüinidade é o mesmo que condenar o detetive que descobre o crime”.
É consensual no meio do criatório de elite que a consangüinidade é um fator deletério, ou melhor, que traz consigo – digamos – problemas genéticos.
Ora, se a endogamia indica a direção certa a se tomar, outro deveria ser o entendimento destinado à consangüinidade.
Trata-se, portanto, de um preconceito que conduz os criadores ao equivocado entendimento de que a endogamia é um desastre. Se o selecionador descartar os animais inferiores e conservar os superiores, estará fazendo seleção.
E assim, não utilizando animais inferiores (esta é a condicionante), a consangüinidade não só pode, mas deve ser utilizada.
CABE QUESTIONAR: o que impõe desprezar? O método seletivo ou o animal inferior?...
Com absoluta certeza trata-se de um preconceito que tem a sua origem instalada numa motivação de fundamento econômico, justificado em razão de o acasalamento heterozigoto proporcionar de imediato resultados funcionais bem favoráveis sem os naturais riscos de uma seleção consangüínea.
No cruzamento do gir com o holandês (girolando), qual das duas raças é a transmissora de leite? O holandês concorre com o quê?... O zebu concorre com o quê?...
Para se atingir resultados econômicos desejados, o bom senso indica que o caminho há muito encontrado é o cruzamento entre o gir e o holandês: espécies distintas e, se oriundas de linhagens bem trabalhadas, com certeza se obterá resultados funcionais espetaculares, não só leite, mas carne também.
Demais disso, - complementando - se a heterose nada cria senão fazer ressaltar atributos funcionais, é de se concluir que quanto mais tipificadas e ou caracterizadas as duas espécies (gir/holandês), mais satisfatório há de ser o resultado.
OU ESTOU – PERGUNTO – QUERENDO INVENTAR NOVAMENTE A RODA?...
Tudo o que até agora foi exposto é no sentido de demonstrar os resultados econômicos de uma atividade que, se tivesse o concurso dos órgãos governamentais a nossa pecuária, poderia estar em patamar diverso.
Além da heterose, há de se agregar aos criatórios produtores de leite com características tais que, além da adaptação ao nosso clima tropical, outras deverão estar sobrevir: intervalo entre partos; lactação prolongada; a gestação não se interrompe e muito menos inibe a produção de leite, etc. e, claro, mansidão, o que só se consegue com uma seleção bem articulada e divorciada de interesses imediatos.
Faço tais considerações, evidentemente destituídas de autoridade técnica, porquanto, sendo apenas um criador, conduzo e fundamento minhas opiniões assentadas na permanente observação de um trabalho que me fascina (o de selecionar), diante do qual às vezes tropeço; mas sempre procurando, com persistência, recolher destes tropeços experiências que me permitam errar menos.
Diante das imensas dificuldades que a tarefa de selecionar nos reserva, mas, lado outro, obstinado a produzir um gir de verdade, é que venho “de quebra” aprendendo coisas.
Como por exemplo, que “grau de sangue” é a mesmíssima coisa que composição genética e que apenas quantifica a proporção de genes das raças ou linhagens levadas a cruzamento, mas, de forma nenhuma, reflete a qualidade desses genes.
Conseqüentemente por inexistir essa vinculação, o bom senso indica que a seleção há de ser por eficiência e nunca por grau de sangue.
Daí é que, a prática mais difundida em nosso país é a do cruzamento entre a raça Holandesa, reconhecidamente a melhor raça leiteira do mundo, e, dentre os zebuínos, em especial, o Gyr.
E PORQUE ESTA TENDÊNCIA? Em primeiro lugar porque a produção de leite e a reprodução do zebuíno, comparativamente com a holandesa, são baixíssimas; em segundo lugar porque, em compensação, o zebuíno é aquele que se adapta, e muito bem, em clima tropical, o que já não ocorre com a raça holandesa.
A PAR DE TAIS REALIDADES, foi-me permitido assimilar e compreender que o trabalho seletivo voltado para produção leiteira, E AGORA ME REFIRO AO GYR, além das limitações impostas pela baixíssima herdabilidade que este trabalho proporciona, traz em seu rastro uma situação de correlações que fazem submergir uma potencialidade a fixar outras características, as quais desatendem ao objetivo proposto, ou seja, uma rês que seja boa de leite, ajustada ao padrão racial e, especialmente, com uma boa “carga genética”.
Claro que algumas existem, contudo não é a regra. O que vale dizer: a transmissibilidade das características zoológicas, que são de alta herdabilidade, mas que, diante da heterozigose, essas características que são morfológicas, se estiolam, ou melhor, fogem do padrão.

DAR LEITE É FÁCIL, TRANSMITIR É O PROBLEMA.

AO BUSCARMOS O ACASALAMENTO entre raças puras voltadas à obtenção de uma satisfatória produção de leite, com certeza teremos de submeter a seleção do zebuíno, no caso o Gyr, direcionada a aumentar a homozigose, ou seja, viabilizar a reprodução de suas características de forma mais uniforme em conseqüência do emprego da endogamia.

DEPARA-SE COM O SEGUINTE QUADRO. A consangüinidade não compraz com interesses imediatos. Apura, geneticamente, tanto as qualidades quanto os defeitos, permitindo, com o seu emprego, a obtenção de linhagens; raçadores e a criação uma diversidade genética.
Além de todos estes obstáculos - não há como se negar - é uma empreitada que está submissa a um trabalho lento – lento mesmo - que impõe a quem o assume muita determinação, perseverança, humildade e, sobretudo a incerteza de resultados financeiros favoráveis.
Por isto mesmo é que muitos são os “selecionadores” que se deixam abater no curso da empreitada e, se amofinando, passam a adotar “atalhos” que terminam por mascarar, ou melhor, contaminar o projeto de origem no que vale um alerta: atalho não tem volta.
Cumpre, sobretudo e principalmente, registrar. O criador que se propuser a executar um trabalho desta envergadura, há de ter em mente não só observância, mas submissão às leis da natureza e que as mudanças biológicas devem se submeter a um ritmo natural, como natural são as águas dos rios que correm para o mar.
Se assim o for, podemos ter a absoluta convicção e certeza de que a Raça GYR não ficará vulnerável às incertezas e inconseqüências - as mais danosas - vitimada por procedimentos calcados e baseados em dados e informações incapazes de dar uma real contribuição ao processo seletivo da raça, mas, se contrariamente o for, estar-se-á a promover uma fictícia aceleração no “melhoramento” da raça.
Para se fazer uma pecuária produtiva, destinada ao pleno abastecimento, seja de leite ou de carne, não se pode abdicar da Raça Gyr e ainda, equivocadamente supor que essa raça poderá substituir outras ou ser substituída.
Mas através de um gir conformado à realidade e não um gir que existe apenas em nossa imaginação, o que conseqüentemente se faz uma exarcebada exigência de seu desempenho, exigindo dele muitíssimo além de sua potencialidade.
É que, por ser o Gyr dentre os zebuínos, aquele que mais dá leite, equivocadamente somos levados a situá-lo como raça leiteira, sendo que, na verdade, o Gyr é uma raça boa de leite.


José Alfredo Barreto
Residente na cidade de Sete Lagoas (MG),
é criador de Gir, linhagem EVA, no município de Curvelo (MG).
É genro de Evaristo de Paula, de Curvelo (MG), criador do Gado EVA.

Lote de novilhas EVA na fazenda Caraíba, Curvelo (MG).

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Aproveita e comente este artigo no link “comentários” abaixo, ou por e-mail: rosimardogir@gmail.com

2 comentários:

José de Castro disse...

Concordo em parte com o artigo.
Primeiramente, discordo da afirmação "Gir não é raça leiteira, mas boa de leite". Não fosse raça leiteira, não alcançaríamos médias reais (sem artificialismos) de 4 a 5 mil quilos de leite em lactações médias de 330 dias. Somente uma raça leiteira tem persistência de lactação. Contrariando novamente nosso companheiro Girista, quando afirma: "Dar leite é fácil, o difícil é transmitir", afirmo que "dar leite é da natureza dos mamíferos", incluindo morcegos e baleias, o difícil é "produzir leite". Aí reside a grande diferença. Produzir leite significa explorá-lo como produto comercial de forma viável e sustentável. O Gir Leiteiro faz isso. Não sem antes ter passado por um processo objetivo de seleção, lento, mas contínuo, através de várias gerações. Hoje o que vemos nos resultados publicados não é empírico, mas técnico. O próprio Teste de Progênie demonstra isso e muito mais, permite aperfeiçoar o fenótipo para produção de leite, avaliando características produtivas e não apenas conceitos de beleza.

José Alfredo Barreto disse...

Rosimar: não quero polemizar. Vou acreditar nas produções de leite afirmadas. Todavia pergunto ao prezado companheiro girista que opinou quanto às minhas considerações. Realmente somos empíricos, mas será que a técnica estaria sendo bem empregada ?... Se os testes de progênie que menciona e nos quais se escora, questiono se cumpriram religiosamente o procedimento que os torna confiáveis; porquanto, sabe-se, que o objetivo do teste de progênie é o de avaliar os méritos genéticos dos reprodutores , livres de toda e qualquer influência. Para credibilidade deste teste duas são as condições básicas: vacada e manejo uniformes. Uniformizadas e igualadas as oportunidades (vacada e manejo), você terá a medida exata para avaliar se o teste é ou não confiável. Poder-se-ia afirmar a regularidade nos testes ?... Há uniformidade na vacada ?... gyr ? Girolanda ? Holandeza ?

QUAL É O TRANSMISSOR DO LEITE? II

Goiânia (GO) – recebi e-mail de José Alfredo Barreto, de Sete Lagoas (MG), tecendo algumas considerações acerca do seu artigo QUAL É O TRANSMISSOR DO LEITE?, publicado aqui no Blog Girbrasil dia 25 de novembro, domingo. Se você ainda não leu o artigo, aproveita o estímulo e leia. Se achar que pode contribuir com essa discussão, deixa um comentário ao artigo

"Prezado Rosimar Silva,

Parece-me que o meu texto não foi entendido ou não se quiz entender. Os questionamentos que fiz não se dirigem diretamente para o gir leiteiro, claro que indiretamente. O proposto foi, em primeiro lugar, qual é a raça que mais contribui para a formação do girolando? Em segundo lugar, para se produzir uma vaca girolanda produtiva - produtiva mesmo - o criador que faz tal cruzamento necessariamente tem de lançar mão de um gir oriundo de uma seleção voltada a fixar características tais destinadas à formação de tal mestiço; em terceiro lugar, demonstradas as qualidades e insuficiências, tanto do holandês quanto do gir, aquele, no que se relaciona às insuficiências, questões climáticas, esse, no que diz respeito às seus desempenhos, biológicas, e, assim, juntados "os cacos" a pecuária nacional "descobriu" o girolanda; em quarto lugar, que seleção só se faz com a endogamia; em quinto lugar, que a heterozigose faz "explodir" aptidões funcionais (carne e leite); em sexto lugar, a baixíssima herdabilidade do leite e, por fim, o desafio que é a seleção leite; conquanto a baixa herdabilidade somada ao único processo seletivo capaz de construir, seja uma raça ou uma linhagem dentro de uma raça, é a endogamia e pelo que se vê os leiteiros, à unanimidade, confrontando o método (veja o convite recente da Assogir) lamentando a consangüinidade (!!!) existente ... no rebanho leiteiro”.


Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado José Alfredo, o que aconteceu com o site da Fazenda do Cortume? tentei acessá-lo e está indisponivel...
É uma pena pois o site existente era de ótima qualidade, inclusive pedagógico com parte importante da história do Gir e do processo seletivo que a marca EVA adota.
espero que o site volte ao ar
Grande abraço
Sten Johnsson
Rio de Janeiro
sejpecuaria@gmail.com